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Sessão Especial – Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz

2 de dezembro de 2019

Discurso do sr. Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz, fundador e ex-presidente da ABDE, durante a Sessão Especial no Senado em comemoração aos 50 anos da Associação:
 
Prezado Senador e querido amigo Antonio Augusto Anastasia; Sr. Presidente da ABDE, Perpétuo Socorro Cajazeiras; Sr. Presidente do BDMG, Sérgio Gusmão; Sra. Jeanette Lontra, que abriu esta homenagem da ABDE; minhas senhoras e meus senhores, esta homenagem da ABDE constitui mais uma página a ser incorporada na resenha dos acontecimentos que abrigo na memória como testemunho prestigioso de um dos fatos comprovantes das semeaduras que fiz, no sentido do interesse social, ao longo da minha vida pública.
Por certo, não posso esconder que, neste instante, me dirijo a todos presentes – especialmente à direção da ABDE; aos membros da minha família, que gostaria de nominar: minhas filha Luciana, minha sobrinha Ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça; meu sobrinho Walton Alencar Rodrigues; meu genro Fred Mares Guia; minha esposa Glória Pereira Diniz; meu filho, Subprocurador-Geral da República, Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz Filho; e àqueles que me distinguiram por meio de menções atenciosas, especificamente ao Presidente Antonio Anastasia –, com o coração agradecido, pleno de regozijo.
Entendo que me cabe relembrar, de início, os acontecimentos e as circunstâncias indutoras da criação da ABDE. Com esse propósito, passo a repetir matéria que escrevi no livro BDMG – Histórias e Desafios, sobre a origem dessa entidade.
Até o do exercício de 1968, os bancos públicos, federais e estatais – com exceção do BNDE, que não comparecia – reuniam-se numa assembleia comum em que todos participavam, com direito à palavra e ao voto, dentro de disciplina consolidada havia muito tempo. Na reunião de 1967, fiquei decepcionado, apesar de haver encaminhado sugestões e as ter defendido oralmente. No encerramento, ou seja, na hora da votação, nada do que fora proposto por mim constou da lista das matérias a serem decididas. Houve uma outra, extraordinária, no princípio de 1968, e tudo se repetiu. Senti que nem prestavam atenção ao que eu dizia, porque durante as falas de representantes de bancos comerciais, não deixava de haver ouvintes fazendo anotações.
Conversando com o Presidente do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, Jorge Babô Miranda, e com o Presidente do então Banco de Desenvolvimento do Paraná (Badep), Jairo Ortiz Gomes Oliveira, constatei que os dois concordavam comigo. Ali só se tratava de interesses dos bancos comerciais.
Resolvi, então, não participar da assembleia ordinária daquele ano e designei José Hugo Castelo Branco, que era então Diretor do Banco de Desenvolvimento, e Oto Jacob para representarem o BDMG. Levaram a minha recomendação de discutir com Babô Miranda e Jairo Ortiz, como era chamado, sobre a possibilidade de realizarmos uma reunião de que participariam apenas os bancos que operassem com objetivo de fomento. Os dois concordaram com entusiasmo marcando-se o evento para março de 1969, no Município de Araxá, em Minas Gerais.
Pela perspectiva resultante dos trabalhos, que deveriam envolver debates diversos entre técnicos sobre aspecto de modelagem e operações das entidades interessadas, alugou-se todo o hotel para os três dias do evento.
O fato é que a assembleia, cujas sessões plenárias foram presididas pelo Governador Israel Pinheiro, cada uma com tempo reservado para manifestações de um Ministro de Estado – Hélio Beltrão, na abertura; Costa Cavalcanti, no segundo dia; e Delfim Netto, no encerramento –, constituiu sucesso superior às melhores previsões.
Também compareceram o Presidente do Banco Central Ernane Gaivêas; Nestor Jost, Presidente do Banco do Brasil; e diversos chefes e diretores de instituições federais e estaduais. Só Jayme Magrassi de Sá, Presidente do então BNDE, não foi.
Bem mais de 50 técnicos dos bancos presentes expuseram teses e as debateram durante dois dias em que ocorreram as reuniões temáticas.
Ao longo do congresso, suas preocupações estiveram em foco na mídia do País, com registros do empenho geral no sentido de modelar a ação dos bancos de desenvolvimento submetida a uma visão macroeconômica.
A ressonância do congresso de Araxá foi tamanha que, na reunião inaugural da entidade resultante – que é a ABDE –, formada por corporações financeiras públicas de desenvolvimento, 17 instituições de 15 Estados diferentes inscreveram-se como sócios fundadores.
Nos primeiros encontros de trabalho entre membros dos bancos que deram vida à ABDE, tratou-se logo de identificar as características básicas que distinguem a natureza dos institutos financeiros de desenvolvimento daquela própria aos bancos comerciais, sejam eles simplesmente de desconto ou de investimento.
Sob esse aspecto, descobre-se sem demora a distinção matriz entre as duas espécies: enquanto os bancos comerciais, mesmo sob o controle público, objetivam fundamentalmente o lucro, as corporações bancárias de fomento são criadas com propósito de contribuírem para a expansão econômica dos territórios onde são instituídas.
Neste instante, devo transmitir alguns esclarecimentos com respeito ao que acabo de afirmar.
Não faço restrição à procura do lucro normal, fator legítimo, indispensável mesmo, àqueles que participam na exploração da atividade econômica, ainda mais no campo bancário, cujo insumo primário para o exercício da ação específica é o dinheiro.
À época em que tive a oportunidade de participar de debates sobre a importância relativa do lucro na realidade bancária em geral, cheguei a ouvir de dois economistas laureados, um mineiro e outro gaúcho, que os BDs não precisavam situar o lucro entre seus intuitos. Felizmente foram vozes que não animaram adeptos.
Na verdade, apesar de as instituições financeiras de fomento não terem no lucro seu escopo básico, esse resultado positivo e um nível saudável de liquidez também lhes são essenciais a fim de conquistarem presença respeitável no mercado, cumprirem com maior eficiência suas missões e não causarem perturbação na ordem bancária. Contudo, o interesse econômico de natureza social há de ser sempre seu primeiro objetivo.
Diferentemente, em que pese a circunstância de as instituições financeiras privadas constituírem vínculos naturais e indispensáveis do mercado, a consciência, que as levam a tomar decisões, baseia-se na visão microeconômica, voltada à manutenção das respectivas sobrevivências. Daí o risco ser sempre analisado com lentes de aumento, quando se consideram organizações bem administradas. Tendo em vista o determinismo que lhes é próprio, os bancos comerciais, no suprimento do crédito, tendem a aplicar seus recursos nas empresas detentoras de mais informações e melhores garantias para o cumprimento de suas obrigações.
Em consequência, amplos segmentos da economia, constituídos por pequenas empresas, ficam sem atenção em face do alto risco dos seus projetos e da falta das garantias exigidas, mesmo quando as iniciativas destas últimas tenham importância significativa para se superarem insuficiências econômicas locais.
Já os bancos de desenvolvimento, sob orientação das indicações macroeconômicas, devem procurar contribuir, nos limites indicados por análises próprias, em favor de interesses empresariais que reclamem o apoio dos seus estímulos financeiros para inverter em projetos de repercussão social, sejam aqueles econômica e tecnicamente viáveis, mas de risco maior, sejam os localizados em áreas deprimidas por falta de iniciativa. Daí o imperativo de se constituírem com recursos públicos e de valores humanos habilitados em instrumentos verdadeiramente eficazes, na missão de atenuar as imperfeições naturais do mercado.
O estadista, Chefe de Executivo nacional ou de Estado-Membro de uma Federação, atento à visão de longo prazo, conhecendo a realidade específica, orientado pela luz do pensamento lógico, há de entender a importância da capitalização dessas instituições, até com alguma parcela dos insumos orçamentários oriundos do aumento de arrecadação tributária propiciada pelos ativos que eles próprios financiaram, vários dos quais nem existiriam sem a ação de uma entidade bancária de fomento.
Nessa perspectiva, a ação dos bancos de desenvolvimento deve orientar-se para atenuar as insuficiências e reduzir as imperfeições na distribuição do crédito de longo prazo, que as reformas por intermédio do livre mercado não têm vocação para superar. Diga-se também que, na realidade brasileira, os BDs são entidades normalmente desprovidas de meios para perturbar a política monetária.
Atualmente, nas diversas economias, das menores às mais desenvolvidas da Terra, os bancos de fomento, onde existem, constituem vertentes de importância estratégica, mas esse fato não costuma transmitir à opinião pública consciência exata dos papéis que exercem em favor da realidade econômica.
No meu juízo, falta-lhes, aos bancos de desenvolvimento, serem induzidos a revelarem-se sob a ótica mais ampla da contabilidade social, de modo a iluminarem, anualmente, tanto quanto seja possível, os detalhes de suas contribuições, no sentido do interesse comum, promovidas pelas empresas mutuárias.
Sobre a subestimação da essencialidade dos bancos de fomento entre nós, observa-se o exemplo do BNDES, que vez por outra entra no noticiário sob críticas levianas cujo conteúdo deixa margem para leitores menos preparados considerarem até sua existência dispensável.
Não conheço nenhum estudo comparando a importância relativa para a economia nacional das aplicações disseminadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social com as de qualquer outro instituto de crédito do País. Mas o importante é que o maior banco de fomento do Brasil tem realizações extraordinárias, capazes de constranger, num debate público aberto, seus adversários privativistas mais radicais.
Afinal de contas, o BNDES, inúmeras vezes, enfrentou os riscos de empréstimos vultosos, de longo prazo, a iniciativas pioneiras estratégicas para o País, quase todas exitosas, que a banca nacional privada não teria condição de efetuar e, mesmo hoje, prefere não considerar. Ainda no começo de sua existência, deu continuidade aos financiamentos que se seguiram no elenco elaborado pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, na primeira metade dos anos 50 do século passado, e foi o principal animador do nosso processo de desenvolvimento industrial.
Afirmo, sem receio de ser temerário, que, ausente o BNDES, o Brasil seria outro, mais atrasado.
Já no plano dos Estados-membros, cito o BDMG, Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, casa com a qual mantive profundas relações nas vezes que presidi sua Diretoria Executiva e também seu Conselho de Administração.
Na segunda metade dos anos 60 do século passado até pouco tempo atrás, a grande maioria dos principais empreendimentos industriais e agrícolas constituídos naquela unidade da Federação receberam apoio do BDMG, muitas vezes decisivo.
Menciono dois de importância superior, um de cada setor econômico: a Fiat e o programa de recuperação dos cafezais do Estado. Este último – o programa dos cafezais – transformou uma atividade agrícola, em vias de ser substituída pela ação do Gerca, grupo de erradicação de cafezais deficitários – na maior produtora do País, provavelmente do Planeta, contrariando a política do Governo, a política do Executivo da União, até revelar-se viável e vitoriosa. À época, o BDMG era uma autarquia estadual. De modo que pôde ignorar a interferência do Banco Central, já que todos os recursos aplicados eram próprios, oriundos do Tesouro mineiro.
Por fim, cumpre-me pontuar, sintetizando particularidades que, no meu juízo, devem caracterizar o perfil de um típico banco de desenvolvimento, até porque não conheço nenhum manual com prescrições específicas e que a doutrina ainda não se voltou para esses aspectos: enquanto o banco precisa garantir esse lucro no plano microeconômico, mantendo liquidez respeitável. Há de ser preferencialmente público, porquanto, compete-lhe, em princípio, estar voltado para os interesses socioeconômicos do Estado. Em consequência, deve ter visão macroeconômica própria, a fim de que a sociedade – veja, Sr. Presidente da OBDE – conheça a repercussão do seu trabalho em benefício do objetivo para que foi criado o Banco do Desenvolvimento. É recomendável que, anualmente, faça divulgar balanço social de sua ação, onde se quantifique o número de novos empregos e o acréscimo no valor dos tributos pagos pelos seus mutuários. Entre aqueles que financiam, devem evitar empresas em operação, relativamente à concessão de capital de giro, cujo patrocinador natural é a banca privada – devem tentar evitar. Seus dirigentes não devem ser políticos leigos, em recesso ou aposentados, nem qualquer pessoa desprovida de habilitação própria.
Diversas dessas observações deveriam constar de preceitos governamentais, normatizando o processo de atuação dos bancos e associações de desenvolvimento, a fim de que operem sob princípios legais que os contenham, rigorosamente, nos limites dos objetivos do fomento socioeconômico, sem faculdade para improvisar nem praticar qualquer ordem de especulação.
Infelizmente, no palco que lhes é reservado aqui no Brasil, não existe preceito que os identifique. Além do preconceito de neoliberais pela circunstância de serem entidades estaduais, estão submetidos à disciplina que rege a banca privada, mesmo quando operam com recursos orçamentários públicos.
Vem dessa situação a maior importância e responsabilidade da ABDE. Único meio de contato não oficial, entre os diversos BDs do País, em cujo auditório discute-se e se assimilam ensinamentos adequados a se orientarem, em conjunto, no rumo do combate ao atraso econômico, contribuindo para a erradicação da pobreza nas sociedades a que servem.
Muito obrigado a todos!

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